domingo, 14 de junho de 2009

SETEMBRO, 17 (1915)

Médico visitando pacientes no Funchal
Oito horas. Lindo dia de sol claro como o norte do Brasil. Vejo o jornal: notícias da guerra que não adiantam nada; ótimo e alvissareiro artigo sobre a paz; notícias do suicídio de ontem e diz que o homem deixa mulher e filhos. Almoço e continuo a leitura do “Parme Chartreuse” * que vou achando maçante, mas não atrevo a abandonar, porque traz no alto o nome Stendahl. Depois do lanche vou para o jardim. Sento-me num banco quando me surge do bangalô, que fica próximo, uma vivaz e atrabiliária criança. Dirige-se a mim e eu faço-lhe agrados. Deixo-a virar bolsos à vontade, quebrar a ponta do lápis, esfolhar o livro que trago etc.

Tudo isto, porém, calado, sem responder às perguntas que ele me faz, simplesmente porque não entendo (a criança é inglesa). Ele, já aborrecido, volta-se para mim e exclama: “You no espeech”!? Nisto surge uma senhora do mesmo bangalô, que me fala sempre em inglês e digo lhe: “I no speech inglish”. Ela procura retirar a criança e pede desculpas. Digo-lhe que não me causa incômodo, que gosto de crianças, que pode deixar o pequeno. Ela compreendeu, porque retirou-se balbuciando um “thank you”. Depois de ter aturado muito tempo a impossível criança, que sei agora chamar-se Douglas, por me ter dito uma criada que passava, deixei-a e subi para a rocha a cuja borda está construído o Reid’s. Lá abaixo estão umas inglesas tomando banho. Fico um tempo vendo-as nadar e volto à casa. Aí encontro o Souza que pede mil desculpas e procura justificar-se por todos meios. Digo que não houve nada e, para mostrar que não me zanguei, senão no momento, gratifico-o com 2$ pelas viagens que deu comigo auxiliando-me a fazer compras etc. etc... Janto bem e apesar de ter achado esquisitas estas comidas inglesas, já me vou habituando e começo a achá-las deliciosas. Depois do jantar, há um hóspede bisonho que vai ao piano e executa uma porção de lindas músicas entre os quais a“Soir d’Eté” de Fourdram, “Chant du Printemps” e outras belas músicas de Mendelssohn. O músico é irmão da inglesita do “yes”. Depois foi meu camarada.

* O poeta quis referir-se ao romance "
La Chartreuse de Parma"

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