Abel Zeferino
segunda-feira, 22 de junho de 2009
A DESCOBERTA DA MADEIRA
Abel Zeferino
domingo, 21 de junho de 2009
PONTE FUNCHAL - OEIRAS
Para: inocente@xyzw.com
Data: Sábado, 20 de Junho de 2009, 17:13
É com muita satisfação que vejo alguém se interessar pela História da Madeira.
Já dei uma olhada no seu blog, mas apenas por 15 minutos e nao tive mais tempo, mas pesquisarei tudo assim que possivel.
Quanto ao Diário da Madeira, não tenho conhecimento desse nome. que eu saiba , em Madeira já havia, desde 1888 o chamado "Diário de Noticias", que ainda existe e pode o consultar neste sitio: http://www.dnoticias.pt/
De momento não tenho mais tempo, mas voltarei a entrar em contacto consigo, após pesquisar outras informacões que tenho cá.
Abraço Abel Zeferino
domingo, 14 de junho de 2009
SETEMBRO, 15 (1915)
SETEMBRO,16 (1915)
Pois bem. Existe aqui malva com flores em todas as cores: há as vermelhas, absurdamente vermelhas, há brancas, levemente rosadas, amarelas, enfim, uma variedade que surpreende. Há parreiras constituindo caramanchões de uma extensão fantástica; rosas, trepadeiras de muitas espécies e flores bizarras e estranhas como a estreleta, a tebaíba (rainha das flores), uma linda e grande flor branca, as lílias. Aqui conheço a verdadeira açucena, o cáctus, a magnólia legítima etc. No pomar encontro desde a bananeira até a cerejeira. Tamareiras há em todo o jardim cheias de cachos grandes admiravelmente; vejo não sei quantas espécies de palmeiras; pessegueiros, ameixeiras, macieiras e até mangueiras que, por sinal, estão carregadas de frutos e não tem mais de três metros de altura as que puderam crescer mais. Acho-as interessantíssimas comparadas com as do Brasil.
Desço ao mar pela escada do cais do hotel; examino as cabines de banho (salgado) e daí aprecio a altura da rocha em cima da qual edificaram o Reid’s: é simplesmente dantesco este conjunto e por mais que eu escreva não traduzo, não exprimo. Basta dizer que para chegar ao mar (à praia de banho ou cais do hotel) tive que descer 243 degraus. Desta rocha de 150 pés de altura, disse-me um criado, foi que se precipitou o Senhor Rebouças, um brasileiro que se exilou quando de lá foi deportado o Imperador (isto que para mim é um fato ignorado, confesso-o, fica registrado aqui por conta do criado). Quase a uma da tarde volto para a Vila Vitória, fatigado de ver tanta cousa nova para mim e tudo isto sem ter saído do Reid’s Pálace Hotel.
Tomo o lanche à 1 hora; desço novamente ao jardim e à sombra das tamareiras que formam um pequeno e delicioso bosque começo a compor os primeiros versos da Janua Coeli.
Às quatro horas volto para o chá. É a única refeição que temos em sociedade, isto é, de que nos servimos em uma só mesa. Na sala de visitas e na mesa de centro, que é bem ampla, está uma enorme bandeja com uma alvíssima toalha e um rico serviço de prata, cada peça do qual é de um tamanho exorbitante. Há um enorme bule de chá, um açucareiro, uma leiteira, um bule de água quente, uma terrina (também de prata), com bolos ingleses e duas bandejas cheias de fatias de duas espécies. Ao redor da mesa estão dispostas algumas cadeiras. Poucos hóspedes servem-se destas. A maior ia enche a chávena e vai dispersando à vontade: um toma o sofá, outro uma cadeira de espaldar, este senta-se à cadeira do piano, aquele à da secretaria, aquele outro uma“chaise-longue” e todos, numa prosa animada, tomam chá. Eu observo e não digo, nem percebo nada. Todos são ingleses e falam a sua língua. Há, porém, uma inglesita magrela e feia que a tudo o que lhe falam sibila um “yes” que já me vai irr itando. Parece que esta criatura só sabe de inglês esta palavra e, se houvesse com quem comunicar, propunha para ele o apelido de “Miss
Yes”. Deixo a sala e começo a leitura da “Parme Chautreuse”(sic)*, de Stendahl. Às sete horas, quando tocou o primeiro aviso de jantar, tinha devorado dois capítulos. Subi para fazer a“toillete” de jantar (todos os hóspedes aqui só dançam de “smoking”). Jantei pouco, porque o fígado continua mal. Próximos a mim numa mesa redonda sentam-se três criaturas que começo a observar com interesse: um senhor que aparenta ter cerca de cinqüenta anos, uma senhora mais ou menos da mesma idade e uma rapariga que, no máximo terá 25 anos. As duas senhoras se entendem em espanhol. O homem só fala espanhol quando se dirige à rapar iga, que é sua filha, porque esta não sabe inglês; para todas as outras pessoas nada diz, senão neste idioma.
Depois do jantar dirige-se a mim um hóspede velhusco, de cara jovial, e pergunta em inglês qualquer cousa que não percebo. “I no espeech inglish”, digo-lhe eu. Fala-me então francês e pergunta se sou português. Digo-lhe a minha nacionalidade e entabulamos conversa sobre cousas do Brasil. Ele fala o francês perfeitamente mal, de modo que sinto-me à vontade assassinando a língua alheia. Apesar, nos entendemos bem. Depois de ter ido ele embora, pergunto ao João (nome do primeiro criado) e sou informado de que é um of icial reformado do exército inglês, que viaja para esquecer a dor que lhe deixou a perda de dois filhos mortos em combate com os alemães. Esteve quase a ficar maluco e demora poucos dias na Madeira, devendo embarcar no primeiro vapor para a Colônia do Cabo. Lembro-me de que ainda não vi oSouza para desabafar a propósito da viagem perdida que ele me fez dar ao Monte. Pergunto aos criados e dizem que ele hoje não apareceu. Subo para os meus aposentos e vou dormir depois de ter escrito estas notas, sentindo o fígado sempre pesado e dolorido.
* O poeta quis referir-se ao romance "La Chartreuse de Parma"
SETEMBRO, 17 (1915)
Tudo isto, porém, calado, sem responder às perguntas que ele me faz, simplesmente porque não entendo (a criança é inglesa). Ele, já aborrecido, volta-se para mim e exclama: “You no espeech”!? Nisto surge uma senhora do mesmo bangalô, que me fala sempre em inglês e digo lhe: “I no speech inglish”. Ela procura retirar a criança e pede desculpas. Digo-lhe que não me causa incômodo, que gosto de crianças, que pode deixar o pequeno. Ela compreendeu, porque retirou-se balbuciando um “thank you”. Depois de ter aturado muito tempo a impossível criança, que sei agora chamar-se Douglas, por me ter dito uma criada que passava, deixei-a e subi para a rocha a cuja borda está construído o Reid’s. Lá abaixo estão umas inglesas tomando banho. Fico um tempo vendo-as nadar e volto à casa. Aí encontro o Souza que pede mil desculpas e procura justificar-se por todos meios. Digo que não houve nada e, para mostrar que não me zanguei, senão no momento, gratifico-o com 2$ pelas viagens que deu comigo auxiliando-me a fazer compras etc. etc... Janto bem e apesar de ter achado esquisitas estas comidas inglesas, já me vou habituando e começo a achá-las deliciosas. Depois do jantar, há um hóspede bisonho que vai ao piano e executa uma porção de lindas músicas entre os quais a“Soir d’Eté” de Fourdram, “Chant du Printemps” e outras belas músicas de Mendelssohn. O músico é irmão da inglesita do “yes”. Depois foi meu camarada.
* O poeta quis referir-se ao romance "La Chartreuse de Parma"
SETEMBRO, 18 (1915)
Desço ao jardim e depois de um grande passeio volto, tomo um banho e o lanche. Retorno ao jardim, aprecio o banho das inglesas e, à hora do chá, chego à Vila Vitór ia. O tal senhor do casal burguês, que eu chamei balofo, sorri-me amavelmente e trava conversa em português legítimo.Já me parece simpático e descubro nele qualquer cousa de gente fina. A senhora é também muito atenciosa e amável. O jantar foi mais alegre. Converso com esta família sobre cousas brasileiras e troco também algumas palavras em francês com o músico de ontem que fala regularmente esta língua. Depois do jantar vou ao terraço e vejo uma paisagem assombrosamente linda. A lua e seu simples reflexo no mar calmo da enseada do Funchal produz um quadro tão soberanamente belo que só Rembrandt ou Rodembach podiam retratar.
SETEMBRO, 19 (1915)
Ao jantar falo com a tal família a que me tenho referido e palestramos animadamente. Já me parecem, marido e mulher, gente distinta e de perfeita educação. Noto que estão de luto e sei que o trazem por dois filhos que morreram combatendo os alemães na fronteira da França. Tenho visto aqui já diversos pais ingleses nestas mesmas condições e me admiro de que não se queixem. São tristes mas de uma tristeza resignada e digna, sem aquele excesso e aquelas explosões, em sua maioria fictícia, que sempre observei no meu País. Dir-se-á que todo inglês tem a consciência do sacrifício que está fazendo a Inglaterra, e cada família ferida com a perda de um membro, em vez de se abismar num sentimentalismo que seria fatal num latino, fica tranqüilo abafando com um ódio imenso, tributando aos alemães e o propósito firme de mandar até o último varão contanto que tenham a vitória final e vejam esmagado o orgulho extremo mas também (porque não dizer) a bravura extrema da raça alemã.
SETEMBRO, 20 (1915)
Viena, 30 de dezembro de 1905. Estréia de opereta de Franz Lehar no Theater an der Wien. O programa prevê uma história de Pontevedrino, um país tão pequeno que não pode ser encontrado em mapa algum.
O governo de Pontevedrino teme que a viúva alegre gaste sua fortuna em Paris ou caia nas mãos de um usurpador, o que provocaria a falência do principado. Para que o dinheiro permaneça no país, é preciso que um pontevedriano seduza e case com a viúva. Trata-se da tarefa perfeita para o charmoso conde Danilo, que conhece todos os truques para conquistar as mulheres.
Além de operetas, também compôs músicas dramáticas, como mostram trechos de Tatjana (versão revista da sua primeira ópera Kukuschka, de 1896), bem como a curiosa Febre, de 1915, um poema tonal para tenor e orquestra, inspirado na experiência trágica do seu irmão, morto na Primeira Guerra Mundial.
SETEMBRO, 21 (1915)
Fiz, depois, um passeio no jardim e como me tenha encontrado com o inglês a quem aludi no dia 18 (o do monóculo) trocamos uma cortês saudação (em francês) e seguimos juntos. O homem não é “dandy” nem “snob” como me pareceu à primeira vista: é um respeitável (apesar de novo, relativamente) cônego presbiteriano, que na palestra revela inteligência e cultura. No “bunglow” encontramos o Sr. Reid. Conversamos os três, quando, da alameda perpendicular à que paramos, surgem dois tipos. Um apresenta o outro ao Sr. Reid, cortejam e seguem. Eram:um jovem filho de um comendador qualquer e o menos jovem, filho o Sr. Visconde de Ribeira Brava e Governador Civil da cidade. O filho do Visconde (não é por mal dizer) pelos ares, pelos modos e pelo próprio físico é um néscio. Temos 25 graus à sombra, o que para aqui é calor, e o animal anda enluvado! Foi o único tipo que já vi aqui calçando-as; logo... também foi o único Governador que no hotel tem andado.
Depois do jantar fui concluir uns versos que comecei ao meio-dia e como verificasse que não tinha cigarros, perguntei ao criado se os havia no hotel.Traz-me uma carteira de flandre, com 20 cigarros, do Cairo. “Regina”, da casa Cousis, e cobra- me, por eles, 500 réis (1.500 brasileiros mais ou menos). Safa!
SETEMBRO, 22 (1915)
Dormi mal, ou antes não dormi esta noite. Fui vítima de uma terrível insônia e quando consegui fechar os olhos eram quase cinco horas. Levantei-me às dez horas. Desço ao salão de jantar, para o almoço, e encontro a conta debaixo do prato. Fico escandalizado! Cobram-me 4½libras por 7 dias de hospedagem. Pago, contudo, sem protesto. A distinta família a quem me tenho referido ainda almoçou hoje e logo depois foi embarcar no“Adreola”, para Las Palmas.
Passei o dia escrevendo cartas e cartões para o Brasil e que devem seguir amanhã pelo “Hurayna”. Escrevi ao Dr. Miguel Rosa, ao Corinto, às Dª. Emília, Alzira e Rosa Freire, às Mendes, à Dª. Laura Veras, ao Cavalcanti, ao Mirocles, Antônio, Nestor e Merval Veraz, ao Cel. Franklin, ao Verinhas, ao meu pai, ao Jeconias, ao José, Amália, Amélia, Joaquina, Maria de Jesus, à mamãe, ao Pedro Sá.
Antes do jantar desci ao jardim e depois de ter jantado, já quando me recolhia, passaram dois automóveis cheios de rapazes alegres e mulheres do “demimonde”, numa alegria invejável, cantado a vassourinha, mas a vassourinha brasileira autêntica! Ah! meu tempo! Também eu já fui assim e hoje expio o abuso que fiz dessas noitadas alegres. Contudo, não me arrependo, nem me queixo. Aceito o sofrimento de cabeça levantada e rindo da mesma forma que ria ao estragar a vida. Escrevi até onze horas, e nisto se foi o dia.
SETEMBRO, 23 (1915)
SETEMBRO, 24 (1915)
SETEMBRO, 25 (1915)
Faz luar, mas um luar baço, morto, inexpressivo, que não tem aquela suntuosidade espiritualizante do luar americano... vou dormir com saudades do luar que há de estar fazendo no Brasil.
SETEMBRO, 26 (1915)
SETEMBRO, 27 (1915)
Estive inquieto todo o dia à espera de um telegrama do meu correspondente no Porto, mandando uma ordem de pagamento que pedi com urgência. Diabo! Depois de amanhã é quarta-feira e, às quartas-feiras, quando a gente vai tomar a pr imeira refeição, encontra a conta da semana sob o prato. Ora, eu estou em condições “delicadíssimas” (como diria o Antônio Campos) porque o cobre que me resta não basta para as despesas da semana. Que fazer? Depois de muito pensar, achei uma solução perfeitamente aceitável: ali no “Diário da Madeira” anuncia-se sempre uma casa de penhores; pois bem, se o telegrama do Porto não chegar até amanhã, pelas 10 horas, vou com o meu anel de bacharel ao prego e está salva a situação. Pela primeira vez vai ele me ser útil de alguma forma. Penso que não me desdouro procedendo assim, pois cada um, na apertada hora, vale-se do que tem. Demais, eu me sentiria mal se fosse obrigado a pedir moratória no hotel, pois até certo ponto precisaria humilhar-me e um brasileiro não se humilha nessas paragens. E é sob este pensamento que se esvai o dia. Contudo, jantei bem. Depois do jantar chega o telegrama salvador. Ufa! Respiro e vou dormir descansado.
SETEMBRO, 28 (1915)
O jornal de hoje traz, numa crônica, notícia interessante, mas que só pode ser falsa; irritou muito o pessoal cá do hotel. É o caso que o tal cronista – um sujeito que esteve hospedado aqui – conta ter pago por um banho no Reid’s Hotel 9 shillings (9$ brasileiros, aproximadamente, no câmbio atual).
Almocei bem e ainda estou à mesa quando um criado me previne que. da “Casa Blandy”, avisam existir lá uma ordem a meu favor. – Diga que estou ciente e que mais tarde aparecerei, respondi afetando uma superioridade, um desinteresse e uma falta de precisão que eram absolutamente falsas. Às duas horas desci, recebi o bago e comprei os artigos de que precisava: livros, sabonete, extrato, cigarros etc., voltando a casa antes das 4 horas. Cai uma chuvinha miúda e aborrecida que, felizmente, cessa logo, pelo que, apesar da umidade, resolvo fazer sempre o meu passeio ao jardim. As inglesas não vieram ao banho. Sinto frio, tenho as mãos geladas. Vou ao termômetro e vejo que temos 19 graus à sombra, não há pois motivo para tanto. Janto, e como ainda tenho frio, tomo um beneditino para aquecer. O frio insiste, por isto vou para cama.
SETEMBRO, 29 (1915)
SETEMBRO, 30 (1915)
OUTUBRO, 06 (1915)
Hoje pela manhã, tive outro escarro sangüíneo, mais vivo que o de ontem. Não sei se deva atribuir isso ao exercício que fiz ou à garoa que repentinamente começou a cair no Monte, quando lá estive, e que me apanhou sem guarda-chuva e sem sobretudo, ou se ao choque que tive ao ler a inesperada notícia do assassinado do General Pinheiro Machado, que só ontem soube, como ficou dito.
Passo o dia triste e temendo alguma hemoptise, apesar de, logo pela manhã, ter começado a tomar uma fórmula de “hidrastis” com “hamamelis”, em partes iguais. A enfermeira do argentino nota a minha tristeza, à noite, e pergunta por minha saúde. Digo-lhe que vou sem alteração. Apesar de tudo janto bem e, como depois de jantar sinto frio, calcei umas luvas . Esta sensação de frio ainda me abate e impressiona mais por que vejo que o termômetro marca 20 graus de temperatura, que não pode determinar o frio que eu sinto. Recolho-me cedo e aparentando absoluta calma, quando tenho a alma num verdadeiro desespero. É possível que eu tenha vindo de minha terra para morrer na Madeira, sem ter um seio amigo onde amparar a cabeça na hora extrema? É sob este pensamento desolador que me meto na cama e durmo.
OUTUBRO, 07 (1915)
Lembro-me de Teresina e das pessoas amigas, das Mendes, de madrinha Emília; lembro-me de todos e tenho saudades dos meus como nunca. Que cousa horrível estar absolutamente só como estou aqui, sem uma afeição, sem um conhecido ao menos e, além disto, doente.
O hotel, para completar a minha desolação, está vazio e os únicos hóspedes que ficaram comigo foram: o argentino, filha e a enfermeira. Eles não falam português e só com dificuldades nos entendemos em espanhol, por isto os evito. Há, também, uma senhorita inglesa, Miss Shapland, com quem nunca me entendi e que é como se não existisse. Assim, passei um dia doloroso. Às seis da tarde tive febre (37,4 graus de temperatura) mas agora já não a sinto e tenho apenas 36,9. E vou para cama, resolvendo as minhas saudades. Acabo de escrever esta nota com lágrima nos olhos.
OUTUBRO, 08 (1915)
Sinto sono e durmo um pouco, o que não me parece ser bom sinal. Acordo quase à hora do chá (4 da tarde) e tenho muita sede. Depois de sono, sede; sintoma de febre que, felizmente, não se manifestou até agora, pois tenho apenas 36,7 graus de temperatura. E com esta temperatura vou para a cama.
OUTUBRO, 09 (1915)
OUTUBRO, 10 (1915)
Dormi mal, porque me sobreveio uma insônia maldita. Contudo, sinto-me bem e almoço como um soldado alemão depois de uma vitória. Depois do lanche, o hotel é invadido por uma verdadeira onda de oficiais ingleses e passageiros da mesma nacionalidade que viajam para sua terra a bordo do “Balmoral Castle”. A bordo do mesmo navio vem um grande contigente (1.600 homens) inglês que se destina ao matadouro de “La Base”. Chega para o hotel mais uma família composta por uma velha, uma senhora menos velha, um freguês já bemusado e um pequeno de olho vivo e cara inteligente. Ao jantar recebo uma carta do meu correspondente no Porto mandando que eu recebana “Casa Blandy” o dinheiro que precisar até 900$ (noventa escudos). Recolho-me cedo para ver se hoje passo melhor noite que ontem.
OUTUBRO, 11 (1915)
OUTUBRO, 12 (1915)
Ainda não consegui dormir esta noite ou antes não consegui dormir naturalmente, mas cheguei a este resultado por meio de uma injeção de morfina que eu mesmo fiz. Como estivesse sempre atacado a insônia, lembrei que na minha bagagem devia restar uma ampola de morfina –sobra das que Mirocles me aplicou em Parnaíba e que eu pus na valise ao arrumar. Vou procurála e tendo-a encontrado fiz a aplicação que deu resultado pronto. Pela manhã fui ao médico a quem contei todo o ocorrido da semana (escarros sangüíneos, de 6 a 7, febrícula etc.). Dá-me ele novos remédios com a mesma base dos anteriores que resolvo não tomar por completo, fazendo uso apenas do bromural quando não puder dormir. Passo regularmente o resto do dia que não tem nada digno de registro. A família que chegou às 10 foi embora.
OUTUBRO, 13 (1915)
É sóbrio em tudo, mas correto em tudo,
E o nome dele é um desses nomes feitos
À custa de talentos e de estudo.
E impecáveis na forma, sobretudo;
Mas, criticando, conquistou defeitos,
Pois, criticando, é franco e, às vezes, rudo...
E faz questão cabal pela sintaxe,
Mostrando-se até nisto civilista...
E, em questões de caráter, é purista,
Pois a ninguém se dobra, nem que rache!
OUTUBRO, 14 (1915)
Ainda para dormir precisei de brumoral. Amanheci indisposto e sentindo ligeiras dores no pulmão direito, que, felizmente, desapareceram depois do almoço. Quando desci havia um grande agrupamento na ponte monumental: fora um alfaiate que se precipitara do alto e pôs assim termo à vida. É este o segundo que se dá depois de minha chegada. Parece que esta ponte é o lugar preferido pelos suicidas da Madeira, apesar de haver precipícios bem mais altos. Li hoje, de um fôlego, “Os Espectros”, Ibsen, que comprei ontem na Tipografia Esperança; durante todo o dia usei e abusei do agrião. Também o criado trouxe do mercado um maço enorme que custou a soma “fabulosa” de 40 réis. Jantei bem e vou dormir satisfeito da vida.
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Sinonímia popular:Jambu, agrião-da-água, berro, agrião aquático, agrião do rio
Parte usada O vegetal inteiro
Propriedades terapêuticas Depurativo, antiescorbútico, diurético, antidiabético, anti-raquitismo, expectorante, ungüento, cicatrizante
Princípios ativos ; Iodo, potássio, fósforo, óleo, sais minerais, vitaminas, óleo essencial; glicosídeos, gliconastursídeo. Fermento (mirosina). Sais minerais, vitaminas, proteínas, carotenos, clorofila.
Indicações terapêuticasTuberculose, afecções pulmonares, tosse, bronquite
OUTUBRO, 15 (1915)
Em baixo: bridgetower, novamente a capa do livro do Tolstoi, a capa da partitura da sonata e, finalmente, Kreutzer, o violonista homenageado
Sonata para violino e piano nº 9, em lá maior, op. 47, de Ludwig van Beethoven (1770-1827) foi inicialmente dedicada a George Augustus Polgreen Bridgetower (1779-1860), um violinista mulato da Polónia e que depois, como relata a tradição, por uma fútil questiúncula amorosa, acabou por ser presenteada a Rodolphe Kreutzer (1766-1831), um violinista francês que tinha visitado Viena em 1798 e que Beethoven o descreveu como um “querido e afável companheiro que durante sua permanência em Viena me proporcionou muito prazer” (Carta 99).
Quais as origens históricas desta sonata? Em 1790, Bridgetower emigrou para Londres e depois, em 1802, começou por visitar a Europa continental numa ‘tournée’ de concertos para mostrar o seu virtuosismo violinístico e ganhar assim algum dinheiro. Chegou a Viena no início de Abril de 1803. O príncipe Karl Lichnowsky (1756-1814), aristocrata da corte de Viena (Áustria), amigo e mecenas de Beethoven, já desde 1792, apresentou-o ao compositor e este, entre 1802-1803, compôs para Bridgetower uma sonata para violino e piano, cuja data da estreia foi anunciada para o dia 22-05-1803. Por fim, talvez porque a sonata ainda não estivesse pronta, o certo é que o recital só ocorreu passados dois dias, isto é, no dia 24. Uma partitura autógrafa fragmentária da obra intitula-a de «Sonata Mulattica» precisamente porque Bridgetower era mulato. Segundo uma tradição, Beethoven e Bridgetower tiveram uma forte discussão sobre o aspecto duma mulher… Beethoven, furioso, desiste da sua oferta que tinha feito, não a catalogando por sonata «Bridgetower», mas, sim, de «Kreutzer», porque acaba por a dedicar a um já seu grande amigo, Rodolphe Kreutzer (1766-1831), um outro violinista, embora francês.
Em 1889, Liev Tolstói (1828-1910), escritor russo, publicou, em 28 capítulos, uma história curta intitulada «A Sonata Kreutzer», cujo tema principal é a reafirmação dos valores do espírito perante um desregrado fluir das paixões e dos sentidos.
O filme «Immortal Beloved» («A Amada Imortal»), de 1994, que versa mormente a vida amorosa de Ludwig van Beethoven, mostra claramente, no diálogo entre Beethoven (Gary Oldman) e Anton Felix Schindler (Jeroen Krabbé) – em cuja cena está estampado o capítulo 23 dessa obra de Tolstói – que nesta sonata está latente, na mente do compositor de Bona, a ideia musical de um amante tentar alcançar a sua amada, não obstante a chuva, a trovoada e a lama da carruagem impedirem o seu propósito. Mas ao certo não existem fontes históricas fidedignas a comprovar esta simples conjectura literária.
OUTUBRO,16 (1915)
Dormi muito bem. Levantei-me às nove horas. Almocei bem e lanchei melhor. Ainda durmo um pouco depois do lanche. Levantei-me às quatro horas para o chá. Cheguei ao portão e encontrei umas inglesas “mercando” bordados a umas mulheres cá da ilha. Achei barato e comprei cinco lindas blusas por 5$ para presente às amiguinhas quando voltar à minha terra.
À noite, depois do jantar, nos reunimos na sala de visitas e a enfermeira respondeu-me à família recém-chegada. A senhora fala francês. Entabulamos conversa que não durou muito tempo porque eu mesmo deixei-a esmorecer, pois queria de ler “A Sonata”. Acabei e comecei a leitura do “Cristo e Maomé”. Passei muito bem o dia de hoje e vou dormir satisfeito.
OUTUBRO, 17 (1915)
Tomo o lanche e leio mais um capítulo do “Cristo e Maomé”, que vou achando ótimo. Durmo um pouco e desço para o chá. Encontro-me com um hóspede dos recém chegados(é filho dos outros dois) que me oferece cigarros e puxa conversa. Ele parece-me não ter muito bom juízo, mas apesar disto, vê-se que é um rapaz educado. Tagarelamos muito sobre o Brasil, sobre a Alemanha e os alemães, sobre a escuridão que reina de noite em Londres por causa dos Zeppelins, etc. Quando me estava já enfastiando a palestra, chegam os pais do meu interlocutor, que tinham ido passear. Eles entendem-se em inglês e eu escafedo-me à francesa.
Janto bem e depois do jantar faço um pequeno passeio à Travessa das Angústias e apesar de ter levado sobretudo e luvas voltei com frio. Temos 16 graus de temperatura.
OUTUBRO,18 (1915)
OUTUBRO, 19 (1915)
OUTUBRO, 20 (1915)
providenciou para que eu tivesse o agrião que resolvi usar diariamente e porque não mandou levar a carta que lhe entreguei, para Dr. Raul Teives, desde o dia 18. Passo bem o dia e, como não tenho mais dinheiro, resolvo ir amanhã buscá-lo na cidade, em casa dos meus correspondentes. Peço ao criado a carta ao Dr. Raul. Levar-la-ei eu mesmo amanhã, quando descer. Esta carta contém, como já disse, os versos que prometi para o “Diário da Madeira”.
ODE À MADEIRA
Uma linda montanha
Toucada de jardins, magnífica, risonha,
E és como imaginei.
Ergues-te sob um céu sempre claro e brilhante,
Onde o sol que flutua,
Sendo prodigamente fecundante,
Não teve aquela luz torrefacente, crua,
Que faz de minha terra outro inferno de Dante.
O mar, que como um cão meigo te lambe os pés,
É verde, transparente, deslumbrante,
E plácido, como és;
Não possui o furor selvagem tonitruante
Do mar americano
Que troveja e que ruge em regougar insano.
Deste mar, calmo assim, surgiste esplendorosa
Como um grito de pedra, um símbolo titânico
Da tortura sem par e da angústia horrorosa
Da terra sacudida em abalo vulcânico...
E a terra foi artista e caprichosa,
Exprimindo esta dor brutal, violenta
Na arquitetura arquimaravilhosa
Que em ti se representa,
E onde existem bastiões, cúpolas, coruchéus,
Minaretes, torreões de um estilo esquisito,
Que se erguem para os céus
Numa heróica cruzada de granito.
E, a par desta grandeza e desta formosura,
És um prodígio de fecundidade...
Da serra áspera e dura,
Cada anfractuosidade
Canta a canção da vida e da verdura...
Verdura que depois se há de fundir em cores,
Abr indo em profusões orgíacas de flores.
Nerêiade do Atlântico!
Tu seduziste o mar,
E o trazes a teus pés rendido, a se rojar,
Terno, amoroso, humílimo, romântico,
Sonatas e baladas a cantar...
Toda a terra sorriu na alegria mais pura,
Quando o mar descerrando as fauces sem limite
Apresentou-te ao sol, assim como Anfitrite,
No divino esplendor de tua formosura...
Madeira! És a corbelha da natureza,
Foi flora quem te ornou com requintes de artista
Para provar ao mundo a infinita grandeza
Do seu gênio divino de florista.
Toda flor, todo fruto e toda espécie de ave,
Vive ao solo teu, canta nos teus pomares,
Desde os heliantos de ouro aos nenúfares,
Desde o melro irrequieto ao môcho grave.
Essa Ogígia adorável que foi feita
Com carinho excessivo e excessiva beleza,
Para a doce morada de uma eleita,
Não seria, de certo, em nada mais perfeita,
Que esta linda porção de terra portuguesa...
E, apesar de tudo isto, és meiga e generosa,
Possuis uma bondade e doçura sem termo,
E entregas o regaço, carinhosa,
A toda alma infeliz e a todo corpo enfermo...
És a mais doce e altruísta irmã de caridade
Que neste mundo egoísta há de existir:
Nada pedes e dás aos que te vêm pedir:
- Saúde, robustez, felic idade...
Ao vencido, ao enfermo, ao fatigado,
Parece que convidas num sorriso:
“Repousa no meu seio perfumado
- Eu sou o Paraíso –“
Bendita sejas tu, e bendito este ambiente
Suavíssimo que encerra
O ar mais leve e salubre e puro e transparente
Que existe sobre a terra.
Funchal – setembro – 1915
OUTUBRO, 21 (1915)
Começo a ter mais confiança no tal médico e resolvo tomar os remédios que ele mandou (tricalcina, benzoato de sódio, nuclerinato de sódio). Do médico vou ao correspondente; recebo dinheiro e faço na rua algumas compras. Chego a casa justamente à hora do lanche. Depois de ter lanchado subo aos meus aposentos e penso no aumento de peso que acuso. Ah, se eu vou me curar! Que bom seria. Durmo alguma cousa e quando acordo é hora do chá (4 horas). Banhando então o rosto, sinto, quando lhe passo a mão, que já não o encontro tão emagrentado. Está tudo muito bem (“all right”). Começo a ler “A Alma da Criança”. Chega a hora do jantar. Janto sob um bem-estar paradisíaco.
OUTUBRO, 22 (1915)
Não dormi muito bem. Desço às 9 horas. Sento-me à mesa para o almoço e peço o“Diário da Madeira”, quando volto a página surpreende-me uma notícia espalhafatosa e esmagadora da minha estada aqui. Fiquei visivelmente comovido e exaltado. Isto fez-me mal pois, às 3 horas, senti febre e o termômetro confirma-o. tenho 37,4 graus de temperatura, duas horas depois desaparecia esta febrícula e agora (9 da noite), tenho apenas 36,8. Depois do jantar a Mrs. Johnson (é a senhora da família chegada a 15) fere conversação (em francês), respondo-lhe a tudo e depois de confessado sobre a minha posição, os meus títulos, o meu “metier”, informo-lhe que o “Diário da Madeira”, de amanhã ou depois, deve trazer uns versos meus. A senhora é distintíssima, de maneiras cordiais, mostra uma educação aprimorada. Seu marido é mais sóbrio, embora muito cortês e atencioso. Recolho-me às 10.
OUTUBRO, 23 (1915)
Passei bem a noite apesar de ter tido um sono sempre interrompido. Choveu todo o dia uma chuvinha miúda, pertinaz, impertinente. Fez algum frio (16 graus à sombra) e passei o dia comendo e dormindo. Quando deixava uma destas ocupações era para me entregar à outra. Pleno império do animal sobre o homem.